quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O Brasil da Pós-Crise: o Processador Global de Alimentos e a Doença Holandesa

O Brasil da Pós-Crise: o Processador Global de Alimentos e a Doença Holandesa

Vitor Bellizia (*)


Ainda que sob o manto monetário, é possível prever o novo ciclo econômico que deve prevalecer no mínimo para a próxima década.
Este ciclo será comandado pela dinâmica de três países emergentes: a China, a Índia e o Brasil. Cada um dentro do seu espaço de atuação. Espaços estes não concorrentes que sem dúvida serão o novo pólo dinâmico da economia mundial.
O último ciclo econômico pode ser definido entre dois pontos: a) a política de juros baixo do FED pós 11 de setembro em 2001 e b) a quebra so Lemon Brothers em setembro de 2008.
Neste interregno, a economia mundial assistiu a um forte crescimento (Vide Gráfico abaixo) puxado pelo crescimento da China que se firmou como o grande processador de produtos industrializados do mundo e da Índia que se caracterizou como o grande processador mundial de serviços. A Índia gerou “o software” deste padrão de acumulação, como resultado da política educacional indiana que exportou estudantes nas décadas de 80 e 90 para estudarem nos melhores centros de educação do mundo e capturou a vantagem em serviços de baixos custos, sobretudo na área computacional e de call center e de outros serviços com fortes inversões dos países centrais. Enquanto a China gerou “ o hardware” do modelo, fabricando produtos industrializados e jogando um novo padrão de competição na economia Global.


Cabe ressaltar que todas as inversões na Índia , China e em outros países emergentes foram feitos num cenário de baixa taxa de juros nos países centrais e com alta liquidez internacional.
Ocorre que tanto este software como este hardware do modelo necessitavam de dois componentes básicos para rodar: a) energia e b) alimentos.
Do lado dos preços da energia, pode-se assistir a um forte incremento dos preços do petróleo que beneficiou, de um lado, os paises exportadores de petróleo e, de outro, os programas de biocombustíveis por todo mundo. (Vide Gráfico abaixo)




O aumento da renda seja nos países exportadores de petróleo bem como da Índia e da China e de outros emergentes fez com que um grande contingente populacional entrasse no mercado alimentar de proteínas. Como se sabe para se produzir um quilo de carne bovina é necessário o consumo de 8 kg de grãos enquanto que para a produção de um quilo de carne suína é necessário o consumo de 5 quilos de grãos. Com isso ocorreu uma brutal elevação das commodities agrícolas e as relações de troca dos países emergentes com os países centrais foram muito positivas para os primeiros, desencadeando uma forte acumulação de reservas internacionais nestes países. Isto inclusive contrariando todos os pressupostos teóricos da relação de trocas dos estruturalistas latino americanos da década de 60.
Conforme pode ser observado no gráfico abaixo, antes da crise o consumo de carnes e o preço das commodities estavam em níveis históricos extremamente elevados já comprimindo a capacidade de consumo e poupança nos países centrais e gerando pressões inflacionárias.






Cabe ressaltar que nos últimos vinte anos os países emergentes foram solapados por crises (Crise Mexicana, Asiática, Russa entre outras) que erodiram seus balanços de pagamentos e desencadearam crises cambiais agudas e como atitude ativa, adotaram o que André Lara Resende, chamou de Mercantilismo Emergente. Esta política fortemente caracterizada por um forte controle fiscal e redução da relação dívida externa/PIB e incentivos a exportações resultando num entesouramento de reservas internacionais para serem utilizadas em períodos de crise, uma vez que a dinâmica das crises nestes países obedecia a uma lógica muito bem explicada pelo diagrama abaixo apresentado pelo Presidente do Branco Central Brasileiro, SR. Francisco Meirelles para o caso brasileiro abaixo.


Este processo de entesouramento jogou muita liquidez no mercado de títulos dos países centrais e criou bolhas especulativas. A mais famosa a bolha imobiliária americana que resultou na quebra do Banco Lemon Brothers em Setembro de 2008.
Quando se analisa as principais reservas mundiais, os países emergentes mostram seu destaque.




Dentro deste panorama pode-se deduzir que a crise de setembro de 2008 tem bases reais bastante concretas. De um lado, o forte crescimento mundial não pode se sustentar pelo estrangulamento da oferta dos “tradables” energia e alimentos, uma vez que o crescimento destes preços reduziu a renda disponível para a realização das inversões realizadas e das quantidades produzidas, ou seja, uma típica crise de sobre-acumulação do sistema capitalista.
Não é por menos que os déficits no balanço de pagamentos agravados pelas Guerras do Afeganistão e Iraque e o crescimento da dívida privada norte americanos tenha como correspondência quase que contábil o incremento das reservas dos países emergentes.






A política monetária e fiscal expansionista pós setembro de 2008 dos países centrais resolveu conjunturalmente o problema, mas não de maneira estrutural.
A saída estrutural será a ampliação da capacidade de fornecimento de alimentos e de energia em escala global.
Nesse sentido, o aumento do preço do petróleo e sua manutenção em patamares elevados contribuirão para ampliar o incentivo ao biocombustível e outras fontes de energia. A ampliação do uso de biocombutível concorre diretamente com a agricultura de alimentos e, neste aspecto, o agronegócio ganha impulso redobrado neste novo ciclo.
O Brasil reúne diversas condições para capturar todas as oportunidades desta nova fase. Tem clima, terras agriculturáveis em abundância, um sistema de custeio e financiamento à agricultura que é um benchmark mundial, um programa de biocombustível de mais de quase 30 anos bem como tem institutos de pesquisa agrícola de renome internacional como o EMBRAPA. Além de todos estes aspectos tem-se ainda a possibilidade de se tornar exportador de petróleo com a exploração do pré-sal que ganha relevância com os atuais preços do petróleo que incentivam a extração em poços mais profundos.
Se o mundo tinha um processador de produtos industriais e outro de serviços, agora passará a ter um processador de alimentos e biocombustíveis em escala planetária. Não haverá necessidade de incentivos, o mecanismo de preços fará o seu papel na alocação de recursos e o Brasil estará pronto para tirar proveito de todas estas oportunidades.
Cabe ressaltar que não quero dizer que todos os países não terão sua participação nas esferas industriais, de serviços e da agricultura, mas que a China, Índia e Brasil serão complementares a estas esferas e os pólos dinâmicos destes setores respectivamente, no mínimo, no próximo decênio.
Diante desse cenário, o único risco é o da desindustrialização brasileira pelo processo conhecido como doença holandesa. Este processo foi diagnosticado por economistas em 1960 quando a Holanda ao descobrir e explorar reservas de gás natural teve um processo de apreciação da taxa de câmbio que ameaçou gravemente a indústria do país. Este aspecto vem sendo muito bem debatido e estudado pelo Professor Luiz Carlos Bresser Pereira e merece atenção redobrada. ( Vide “Paper”: Doença Holandesa e sua neutralização: uma abordagem ricardiana.)
Caberá uma atuação que não vem sendo feita do Banco Central em administrar a importante vantagem comparativa em commodities do Brasil fruto de rendas ricardianas oriundas da abundância de recursos naturais e mão-de-obra barata que já deprecia e depreciará a taxa de câmbio. A tendência hoje sentida de apreciação da taxa cambial pode ter conseqüências para o desenvolvimento industrial brasileiro sem se sentir seus reflexos no balanço de pagamentos de imediato uma vez que a taxa de câmbio de equilíbrio para o país estará fortemente influenciada pelo alto preço das commodities. Os produtos industriais brasileiros produzidos ao estado da arte tecnologicamente falando não estão e nem estarão em pé de igualdade para a competição na arena global e as commodities terão cada vez mais peso nas exportações brasileiras. ( Vide Gráfico Abaixo)

Fonte : Bradesco

Esta é uma sinalização importante para que o Brasil não se torne um país apenas extrativista e desendustrializado, ou com uma indústria apenas “maquiladora” como a Mexicana.
Esta política pode ser feita seja através da redução da taxa de juros, pela compra de reservas internacionais, pela imposição de controles da entrada de capitais, seja pela taxação de impostos sobre os bens que causam a doença holandesa. Tanto a China como a Índia adotam políticas semelhantes.
Esta na hora do Brasil iniciar uma política de defesa da apreciação cambial, pois com os atuais níveis de taxa de câmbio sobre apreciadas (vide gráfico abaixo) e o novo surto de crescimento puxado pela agricultura voltada à exportação com vantagens comparativas importantes nas commodities é possível que a indústria brasileira sucumba. Não é por outra razão que uma série de investimentos industriais visando à exportação vem sendo adiados no país (vide o caso das empresas automobilísticas para ficar em um só exemplo).



De outro lado, pode-se perceber claramente que o saldo de aproximadamente US$ 21 bilhões neste ano (até Setembro 2009), vem sendo puxado pela venda de produtos básicos enquanto que as importações de produtos intermediários e de bens de capital vêm crescendo fortemente. Já denotando claramente a Doença Holandesa no país, ou seja, a balança comercial está superavitária, o balanço de pagamentos em equilíbrio, porém devido apenas competitividade brasileira em commodities. Os produtos industriais produzidos ao estado da arte não encontram competitividade no mercado internacional e nacional, dada a taxa de câmbio extremamente apreciada e o Brasil começa a importar fortemente produtos intermediários e bens de capitais.
As reclamações do Presidente LULA endereçadas a VALE para que aumente o valor agregado investindo na produção do aço não consegue resposta, pois o problema não está no desejo ou não de seu CEO, Sr Roger Agnelli. Está condicionada a rentabilidade que só aparecerá a taxas de câmbio mais depreciadas. A reclamação deveria ser feita ao Presidente do Banco Central Henrique Meirelles.
Finalmente, feitas estas ressalvas do ponto de vista da administração da política econômica, cabe apenas um lembrete: se alguém falar em crise... vá plantar batatas.... Este será o novo caminho.

(*) Vitor Bellizia, 42 anos, é executivo financeiro, graduado e pós-graduado em Administração pela EAESP-FGV, professor de administração financeira da Fundação Prudente de Moraes e Professor Finanças da FGV/RJ. (Campus de ITU) Foi Vice-Presidente da ANFAVEA. (2005/07)

3 comentários:

  1. Caro Vitor, seu artigo está interessante, e suponho que uma revista como Interesse Nacional (dirigida pelo embaixador Rubens Barbosa) poderia interessar-se em publicá-lo. Fiz um pequeno editing juntando parágrafos e colocando uma nota de rodapé com a referência completa do meu artigo. Além disso, com marcas de revisão, sugeri cortar dois parágrafos. Segue a versão editada. Uma alternativa seria submeter o artigo à Revista de Economia Política, da qual sou editor, mas creio que os pareceristas o rejeitarão porque não tem “formato acadêmico”. Cecilia Heise o colocará em minha mala direta. Ela pode informar o e-mail da Interesse Nacional. Um abraço cordial, Bresser.

    Luiz Carlos Bresser-Pereira
    Professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas
    www.bresserpereira.org.br

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  2. Um dia ainda quero eu, poder fazer uma análise econômica tão rica em informação! Muito bom o texto e em relação aos acontecimentos individuais de cada país, também muito completo.
    Em minha opinião, um tanto quanto leiga, acredito que mesmo os três países citados serem de extrema importância para a economia mundial, a posição deles pouco vai mudar nestes dez anos. Se considerarmos a China um hardware, Índia um software e Brasil a energia, os Estados Unidos e os outros países já desenvolvidos seriam os operadores, por já possuírem uma organização muito maior em diversos setores, afinal, são ricos há um bom tempo.

    China
    O sistema de manufatura é o principal sustento da economia chinesa (o que é vendido diretamente geralmente tem pouco valor), sendo que os verdadeiros lucros deste sistema vão para as multinacionais que vendem os aparelhos industrializados, a China, que produz, fica numa posição onde preza a quantidade e não a qualidade (que no caso é o Lucro). Assim se a China cresce, as multinacionais crescem, e em conseqüência cresce os Peixes Grandes. Fora o descontrole produtivo da China, se a compararmos com um hardware, pode se dizer que este não tem cooler e um dia vai queimar.

    Índia
    Sobre a Índia pouco entendo, para mim tem o mesmo formato chinês, só muda o produto.

    Brasil
    (A explicação da Doença Holandesa foi incrível, nada sabia sobre isto, o funcionamento dela é simples, porém sua aniquilação é de imensa dificuldade, já que obviamente o mais rentável tem maior visibilidade)
    O Brasil, neste ciclo, parece ser o mais flexível e influente dos membros, pois para um “hardware” ou um “software” funcionarem precisam de energia, mas a energia pode ser também usada em outras “parafernálias”. O Brasil tem uma grande cartela de clientes (são muitos os “eletrônicos”) e com boa administração pode ter um preço melhor por seu produto, pode ir pelo caminho contrário ao da China e outros irresponsáveis, dando valor à qualidade (lucro) e não a quantidade. E em uma visão geral do assunto, mil vezes Brasil do que China e Índia, já que os dois últimos são um lixo como país. O Brasil, pode tornar-se o modelo de Desenvolvimento e Qualidade de Vida Sustentáveis (que é o que o mundo realmente precisa).


    P.S.: Não sei se foi um tipo de ironia ou um descuido, mas o banco que quebrou não foi o Lehman Brothers?

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  3. Venho por meio deste parabenizá-lo DEPUTADO FEDERAL ALCIDES BELUCI NETO, pela VITÓRIA e EXCELENTE TRABALHO E PROFISSIONALISMO, realizado nas eleições 2010 em todo território brasileiro. PARABÉNS! Desejo e deixo nestas poucas palavras sinceros votos de muita SABEDORIA, CONHECIMENTO, ENTENDIMENTO e principalmente DISCERNIMENTO em todos os seus caminhos. Acabei de depositar na sua conta a importância de muitos DIAS, SEMANAS, MESES E ANOS DE FELICIDADE E PROSPERIDADE, SAÚDE, PAZ, AMOR e que Deus estenda às mãos sobre você e toda sua família e acrescente 100 por cento de juros em cima de tudo isso. “A MAIOR RECOMPENSA PELO TRABALHO NÃO É O QUE A PESSOA GANHA, MAS O QUE ELA SE TORNA ATRAVÉS DELE.”

    DESEJO SUCESSO!


    PAULO SOLUÇÃO
    www.paulinhosolucao.blogspot.com
    paulinhosolucao@gmail.com
    paulo.1470@hotmail.com
    Salto/SP


    Obs.:
    É isso ai precisamos estar sempre atento Hein!!!!

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